17/12/2015

Não foi o planejado, mas foi o melhor jeito

"A Maya nasceu no dia 17 de setembro de 2006 às 15:11h. Antes disso precisei renascer. Somente após os nossos "partos" de renascimento, eu e o Edgar fomos capazes de trazer a nossa Maya à luz. Relato aqui um pouquinho dessa história.

Tenho 29 anos e sempre fui muito superprotegida e mimada pelos meus pais. Acredito que este foi o melhor jeito que encontraram de dar amor, mas essa superproteção me fez insegura e com um grande medo de fazer as coisas à minha maneira. Escrevo isso para deixar claro que contrariar os meus pais e, em especial, a minha mãe, sempre foi dificílimo para mim. Sentia-me incapaz. Não que nunca tenha feito isso, mas talvez nunca tenha contrariado em algo tão essencial quanto a gestação de uma criança. Além disso, a minha mãe viveu durante sete anos sob uma depressão muito profunda, tendo a mim como elo para a vida. Até bem pouco tempo atrás essa situação influenciava muito nas minhas decisões.


Outro ponto relevante na minha vida são as brigas com o meu corpo. A minha mãe acha que criança saudável é criança com muitas "dobrinhas" e "fofinha", assim, a nossa casa sempre foi cheia de doces, guloseimas e muita comida. Desde a infância sofro as conseqüências de ser "gordinha", por isso passei a vida lutando contra o meu corpo, vivendo de dietas, remédios para emagrecer e mil coisas que me ensinavam.

Os meus pais são dentistas e moram em Araçatuba, minha cidade natal, a 550 km de São Paulo. Desde o início da gravidez até o nono mês eles insistiram e pressionaram para que eu fosse ter a Maya lá, com a "segurança" de uma cesárea programada. Cheguei a receber e-mail do gineco que sempre me atendeu, muito amigo da família, disponibilizando-se a me atender.

Agradeci e recusei porque queria ter o parto normal. No final da gravidez, quando viram que não teria jeito, minha mãe sugeriu um obstetra daqui de São Paulo, um primo distante nosso. Fizemos o nosso pré-natal com o Dr. Jorge Kuhn, não poderíamos estar mais bem amparados, mas isso não importava.

Não temos plano de assistência médica. Em princípio, após uma via sacra em maternidades e casas de parto, resolvemos que o parto seria no Nossa Sra. de Lourdes com a assistência do Dr. Jorge, apesar de simpatizar com a ideia de parto domiciliar. Mas, infelizmente, no oitavo mês de gestação, o Edgar perdeu o seu trabalho repentinamente e eu, que sou autônoma, já não estava mais recebendo.

Ficamos sem qualquer fonte de renda. Precisamos pensar em novas alternativas, encontrar soluções que não comprometessem demais o nosso orçamento no pós-parto. Após um período de indefinição entre casas de parto e hospitais públicos, resolvemos pelo parto domiciliar com a assistência da M. e da P.. Decidimos pela nossa casa porque entendemos que aqui seria o lugar mais aconchegante para receber a Maya, o lugar em que a nossa família se sentiria plenamente fortalecida e unida. Seria o parto dos sonhos e dentro do nosso orçamento.

Tomada a decisão, precisávamos apenas driblar familiares e amigos, principalmente os meus pais, que planejavam vir para São Paulo no feriado de 7 de setembro, exatamente a DPP pela última menstruação. Eles não vieram, mas a Maya também não nasceu. Nossos planos começaram a ruir quando, antes do feriado, na consulta com a M. e a P., elas tiveram uma conversa muito franca conosco em que expressaram algumas preocupações. Eu estava com uma hemorroida grande que poderia piorar no pós-parto. Estava muito inchada, deveria fazer algumas sessões de drenagem linfática com urgência.

Engordei quase 30 kg na gravidez, logo o meu corpo dava sinais de que não cooperaria novamente. Enfim, elas nos acenaram com a provável impossibilidade do parto domiciliar. Senti uma sensação de incompetência e impotência frente ao meu corpo. Mais tarde, chorei. Chorei muito de raiva e de tristeza. Passei o dia raivosa e depressiva. Com a ajuda do Edgar me reergui. No dia seguinte comecei a fazer a drenagem linfática e intensificamos o tratamento da hemorroida.

Estávamos obtendo resultado, mas, na última consulta pré-natal, um dos exames acusou uma infecção urinária. E lá se foi o parto domiciliar. Decidimos com a M. pelo parto com plantonista no Nossa Sra. de Lourdes. Como fizemos o curso de gestantes naquele hospital, avaliamos que dentro do orçamento previsto, lá teríamos a segurança de ter uma boa assistência no caso de alguma complicação no pós-parto, além da companhia da M. ou da A.C. como doula.

Na sexta, 15/09, tive um sangramento por volta das 22 horas. Ligamos para a M., que nos orientou a seguir com urgência para o Nossa Sra. de Lourdes, onde por coincidência ela estava com a A.C. e o Dr. Jorge. A obstetra plantonista que me examinou quando cheguei ao hospital constatou que o meu sangramento era apenas o tampão que havia saído, no entanto, solicitaria a minha internação já que "não poderia liberar uma gestante com 41 semanas e alguns dias". Disse que faria a indução e aguardaria até o final da tarde do sábado para acontecer o trabalho de parto. Fiz questão de frisar que queria o parto normal.

Ao sair dessa consulta encontrei a M. e a A.C.. Ambas me perguntaram se queria mesmo induzir ou voltar pra casa. Preferi fazer a indução. A M. conversou com a enfermeira plantonista e me explicou qual seria o procedimento. Ela e a A.C. me aconselharam a tentar descansar naquela noite, já que o trabalho de parto poderia virar a noite seguinte. Após o cardiotoco, eu e o Edgar permanecemos na enfermaria aguardando o início da indução e a liberação de um apartamento. Esperamos, esperamos, as horas passavam e nada de induzirem o parto ou liberarem um apartamento.

A M. e a A.C., que vez ou outra vinham nos ver, começaram a ficar inquietas pela demora, afinal, se retardassem muito o procedimento o trabalho de parto não pegaria até o "prazo de validade" estipulado pela médica. Finalmente, por volta das quatro e meia da manhã, a enfermeira apareceu para iniciar a indução. Não fosse pela intervenção dos nossos anjos, M. e A.C., a enfermeira teria realizado o procedimento com a introdução de oito comprimidos de uma única vez, quando o correto seria iniciar com dois. Após algum estresse no corredor da enfermaria, a médica desculpou-se, tentou justificar o erro e a indução foi iniciada como deveria.

Antes de irem pra casa, nossos anjos nos orientaram sobre os passos seguintes da indução. Resolvemos cochilar ali na enfermaria mesmo já que apenas prometiam a liberação de um apartamento. Dormimos até por volta das sete horas, quando iniciou o novo plantão. Primeiro veio uma auxiliar de enfermagem que mediu a minha pressão, colocou mais quatro comprimidos e aplicou um soro. Enquanto aplicava o soro, inusitadamente, ela me perguntou se eu era gestante!!! Respondi "é lógico", assustada.

Mas ela insistiu e me perguntou se eu não era a moça que tinha perdido os gêmeos. Fiquei apavorada. Perguntei qual era aquele soro que estava sendo aplicado em mim. Respondeu que não sabia, riu como quem diz "bobinha" e perguntou se eu estava com medo. Afirmei que era óbvio que sim. Pouco tempo depois tive um acesso de tosse. Apareceu a médica do plantão. Expliquei o ocorrido. A médica saiu e logo voltou a auxiliar de enfermagem que, sem dizer uma palavra, retirou o soro. Detalhe: eu estava morrendo de fome. Somente me trouxeram o desjejum após muita insistência.

Aguardamos a liberação de um apartamento até o início da tarde. Estávamos irritadíssimos com o descaso e a noite de sono perdida. Resolvemos solicitar alta da maternidade, informei à enfermeira que gostaria de falar com a médica. Mais uma vez nos deixaram esperando, a médica não apareceu. Tirei a camisola do hospital, recoloquei a minha roupa e fui me "despedir" da enfermeira.

Neste momento chegou a assistente social, a "bombeira" do hospital, para apagar o incêndio. Relatamos de maneira bem fundamentada toda a nossa decepção e nossas expectativas. Falamos das trapalhadas médicas, do atendimento sofrível, do péssimo serviço de hotelaria (que é a minha formação) e, principalmente, de como gostaríamos que o hospital procedesse a partir daquele instante. Funcionou. Finalmente, a médica plantonista deu as caras, colocamos os pingos nos is também com ela. A partir de então as coisas melhoraram.

Após a transferência para o apartamento, o Edgar veio em casa para buscar algumas roupas e a bola de ginástica que a M. nos emprestara, aliás, objeto essencial nos momentos mais dolorosos. No final da tarde as contrações começaram a doer com mais intensidade. O Edgar massageava as minhas costas para amenizar a dor. Sentimos que era o momento de chamar a A.C., no entanto, ao confirmar com a médica se ela teria autorização para nos auxiliar, fomos surpreendidos com uma resposta negativa.

Disseram-nos que eu só poderia ter um acompanhante: a doula ou o marido. A própria A.C., por telefone, disse que neste caso a presença do Edgar era mais importante que a dela. Continuamos nos virando do nosso modo com a bola, o chuveiro e as massagens.

À noite as dores vieram pra valer. Desisti de continuar. Liguei para a M. e informei que pediria a cesárea. Quando, no entanto, solicitei a operação à plantonista, ela se recusou a fazê-la sem uma indicação médica para isso. Durante a madrugada as contrações tornaram-se quase insuportáveis. O Edgar cochilava sentado na cadeira ao lado da cama, a cada aviso meu ele massageava para aliviar um pouco da dor. Havia momentos em que não conseguia ficar deitada. Chorava de dor e dizia que não aguentava mais, queria mesmo desistir.

O Edgar procurava me acalmar andando comigo pelo corredor e me colocando no chuveiro. Somente no fim da madrugada consegui cochilar. Acordei por volta das cinco e meia com a visita da médica, que entrou no quarto para fazer um exame de toque. Após examinar disse que o colo estava bem fininho, mas sem nenhuma dilatação. Depois de tanta dor não havia dilatado nada, isso me desesperou.

Às sete e meia da manhã, a médica que acabara de assumir o plantão examinou novamente. Desta vez, no momento do toque houve uma dilatação de quatro para cinco centímetros. Ela passaria a induzir com ocitocina e quando chegasse a sete ou oito de dilatação aplicaria a anestesia. As dores estavam muito intensas. Eu estava cansada e fraca, desde o dia anterior não me alimentava direito e nem água parava no meu estômago. Além disso, estava apavorada com a possibilidade de não agüentar o tranco no expulsivo.

Assim, mesmo com a dilatação, quando a auxiliar de enfermagem apareceu para aplicar a ocitocina, insisti que queria a cesárea. Pouco tempo depois, apareceu uma enfermeira com vários papéis para eu assinar, inclusive um termo de ciência sobre os riscos da cirurgia. Em seguida, surgiu uma outra médica, cesarista convicta, já "com a faca na mão", segundo o Edgar. Isso me balançou, disse que estava na dúvida. Criou-se um impasse. De um lado a médica do plantão que me incentivava a continuar com o trabalho, do outro, a cesarista louca para me levar. Resolvemos que eu ficaria com a ocitocina até às 11 da manhã, quando seria feito um novo exame de toque e, finalmente, eu deveria me decidir.

As dores aumentavam, mas decidi que venceria o meu medo e iria até o final, afinal, desde o início lutamos pelo parto normal. Me veio uma força não sei de onde. Fiquei sobre a bola no chuveiro com o Edgar me massageando. Pedi para ele ligar para a M. a fim de sabermos se o prazo dado, 11 horas, seria suficiente para a ocitocina fazer efeito. Por coincidência ou sei lá o que, a M. ligou para o Edgar neste mesmo instante, mas para saber como estava a Maya, que ela pensava ter nascido na cesariana que eu havia pedido na noite anterior. A M. vibrou ao saber que eu estava em trabalho de parto, orientou-nos a solicitar que o prazo fosse esticado até o final do plantão e disse que ela e a A.C. estavam se dirigindo pra lá. Às 11 horas, com as duas médicas a minha frente, informei a minha decisão. A cesarista saiu decepcionada.

A médica autorizou a entrada da A.C. e foi essencial a sua presença. Ela me acalmou, me ajudou muito no pior da dor, ficou comigo no chuveiro e me ensinou a respirar nas contrações. O Edgar saiu para comer alguma coisa, já que ele também estava com a barriga vazia. A M. chegou com sorvete de limão para mim, mas não pôde ficar muito tempo comigo porque a médica autorizou a permanência de apenas uma das duas.

Nesse meio tempo, a minha mãe telefonou para o Edgar para sugerir que ele pedisse a cesárea, mesmo sabendo que eu já estava com 6 cm de dilatação. Ele ficou indignado, mas me contou do telefonema somente depois que a Maya nasceu. A essa altura o quarto já estava preparado para o nascimento.

Recebi uma dosagem de Buscopan com Plasil e consegui descansar um pouco, apesar das contrações. A A.C. orientou o Edgar sobre como ele deveria fazer as massagens e saiu para almoçar com a família. Ela voltaria mais tarde. Por volta das duas e meia da tarde, a médica realizou outro toque. Com 7 cm de dilatação, ela resolveu romper a bolsa. Quando rompeu não senti escorrer líquido como se estivesse urinando. Saiu uma pasta bastante escura. As médicas nos informaram que o parto não poderia mais ser normal porque havia excesso de mecônio e quase nenhum líquido.

Explicaram que o mecônio poderia grudar no pulmões da Maya, gerar uma pneumonia, subir para o cérebro e etc. Imediatamente as auxiliares começaram a desmontar o quarto. Ficamos atônitos, o retrato da frustração. Quando ficamos a sós o Edgar ligou para a M. e a A.C.. Não havia muito que fazer. Enquanto ele falava ao telefone, uma auxiliar me levou do quarto em uma cadeira de rodas. Nessa hora o Edgar não aguentou e chorou. Vê-lo assim me deu o maior nó na garganta, mas precisava ser forte. Estava com muito medo, embora a vontade de ver a Maya fosse maior.

Eu me perguntava "por quê???". Estávamos tão perto e, de repente, tudo mudou. As dores continuavam. Felicidade e tristeza, superação e frustração, tudo se misturava em mim. Eu me fortalecia em saber que tentara de tudo e que não arriscaria a vida da Maya. Pensava que as coisas não acontecem por acaso, tinha que acontecer daquela maneira.

Colocaram-me na mesa de operação, estava com quase 8 cm de dilatação. Depois de alguma espera fui anestesiada. O circo estava montado. O Edgar apareceu todo paramentado e já bem humorado. Sentou do meu lado para me dar toda a força que ele tinha. Eu não podia ver nada, só escutava e olhava para o Edgar. Até que ele me falou: "é ela!" e soltou uma lágrima.

Levaram-na para uma sala ao lado e chamaram o Edgar. Consegui escutar que, mesmo com a cesárea, a Maya aspirara um pouco de mecônio e que se o organismo dela não reagisse havia a possibilidade de ela ser internada na UTI, o que não foi necessário. O Edgar voltou e me disse que ela era linda, tinha as minhas bochechas e o nariz dele.

Depois de tudo que passamos eu acredito que nada acontece por acaso. A Maya veio para me ajudar a perceber que posso suportar muito mais do que imaginava. Ela me ensinou muitas coisas nesses dias. Que devemos ir até o final, mesmo que o final não seja como planejamos, que a vida é assim. Que eu e o pai dela temos um amor muito grande.

O pai dela que, por sinal, também sofreu todas as dores do parto, que aprendeu e viveu cada momento da sua chegada ao mundo, que não arredou o pé. Ela nos mostrou que às vezes os anjos aparecem em nossas vidas através das pessoas generosas e amigas como a M. e a A.C., que nos ampararam e nos deram toda força nos momentos mais críticos. E que depois de tudo isso nós renascemos para uma vida a três e, quem sabe a quatro daqui uns anos, afinal, como a M. mesmo disse, a Maya preparou o caminho para que o próximo venha de parto normal.

Palavras para dizer ao meu amor o quanto foi e é importante tê-lo ao meu lado sempre não sei. Só sei que sou uma privilegiada por ter uma pessoa tão sensível e dedicada, além de todas as outras mil qualidades que ele tem."

Cíntia Suguino, mãe da Maya.

*Esse depoimento encontra-se no capítulo "Cada parto é uma história" do nosso primeiro livro. Leia outros depoimentos, bem como textos de profissionais convidados adquirindo o livro através do link: http://bit.ly/2gbmuNY

Nenhum comentário:

Postar um comentário